Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça - a primeira mulher a atuar na Justiça Eleitoral em 1934

No cenário político e intelectual do Rio de Janeiro nos anos 1920 e 1930, a jornalista e escritora Anna Amélia se destacava na defesa do direito das brasileiras ao voto e ao ensino superior. Como colunista dos jornais “O Globo”, “O Jornal”, “Diário da Noite”, da revista “O Cruzeiro”, e, em especial, como diretora do Suplemento Feminino do “Diário de Notícias”, seus artigos impactavam a sociedade e inspiravam novos ares à cultura social e política da época.

Em 1935, como vice-presidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e membro da Associação Cristã Feminina, ela foi indicada pelo então Presidente Getúlio Vargas para representar o Brasil no XII Congresso Internacional de Mulheres, em Istambul/Turquia. Em 1942, Anna Amélia voltou a representar oficialmente o Brasil, desta vez na Conferência Pan-Americana da Mulher, em Washington/EUA. Já em 1967, a convite do Estado de Israel, representou a mulher brasileira em Jerusalém, no Congresso Internacional Feminino pela Paz e Desenvolvimento.

O ativismo dessa inquieta carioca venceu barreiras que pareciam intransponíveis para as mulheres de sua época. Seu amor pela Educação e, em particular, pela História, levaram Anna Amélia a atuar em várias associações e instituições culturais, como o Instituto Brasileiro de Educação Ciência e Cultura; o Instituto Histórico de Ouro Preto e o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Amante das Artes, integrou também a Associação dos Artistas Brasileiros, a Sociedade Americana de Escritores e Artistas de Havana; a Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa e institutos Brasil-Estados Unidos, Brasil-Chile e Brasil-Bolívia.

Membros da Federação Brasiliera pelo Progresso Feminino (FBF), em 1922 (Foto: FGV CPDOC)

A Década de 1930 foi fortemente marcada por conflitos e ideologias que fizeram eclodir, em 1939, a Segunda Guerra Mundial. Anna Amélia viveu, particularmente, através de seus escritos, esse difícil período. No entanto, nem a preocupação com os riscos crescentes de uma grande guerra foi suficiente para limitar o espírito pioneiro e aventureiro dessa intrépida mulher, já que, em 1935, ela embarcou, com o marido Marcos e a filha mais velha, Márcia Cláudia, em uma inusitada viagem pelos ares.

Sim, Anna Amélia foi também uma das primeiras mulheres brasileiras a se aventurar pelo mundo a bordo de um balão dirigível, na verdade, a bordo do icônico “Graf Zeppelin”, dirigível que, criado pelo alemão Ferdinand von Zeppelin, em 1928, tinha capacidade para transportar cerca de 60 pessoas, entre tripulantes e passageiros. Essa aventura, que envolveu uma longa viagem por países da Ásia, África e Europa, impressionou em muito a sociedade carioca da época ao ser relatada pela escritora e jornalista no texto “Quatro pedaços do planeta no tempo do Zeppelin”. 

Sempre à frente de seu tempo, Anna Amélia tornou-se, em março de 1936, a primeira mulher no Brasil a se pronunciar em uma emissora de rádio. Numa época em que as ondas do rádio já revolucionavam a comunicação no país, Anna Amélia apresentou “A Crônica da Atualidade”, no qual expunha, para o público nacional, suas opiniões sobre a inclusão da mulher no cenário político e também suas aflições diante de uma nova guerra mundial que já se delineava na Europa.

Seu longo discurso sobre a participação feminina nos meios sociais e políticos fez grande sucesso e, em razão disso, Anna Amélia retornou ao rádio para dar continuidade às suas manifestações, oportunidade que ela também aproveitou para expor suas aflições diante de uma nova guerra mundial que já se delineava na Europa.  

Ativistas presentes no congresso. Destaque para a diversidade de etnias e vestimentas. Fonte: Brasiliana Fotográfica

O ano era 1934 e a recém-criada Justiça Eleitoral finalizava, em todo o país, os preparativos para as eleições de 14 de outubro, quando seriam eleitos deputados federais e deputados constituintes estaduais. No dia 4 de outubro, o Diário Oficial publicou os nomes dos integrantes das turmas apuradoras, e foi então que Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça acabou se tornando, como escrutinadora, a primeira mulher a atuar na Justiça Eleitoral. 

Esse momento histórico na vida de Anna Amélia representou mais uma vitória na luta das mulheres pela participação na política e na vida social como um todo. Em 1932, as mulheres haviam conquistado o direito ao voto e as eleições de 1933 indicaram duas foram as mulheres para a Assembleia Constituinte. 

A participação de Anna Amélia como escrutinadora nas eleições de 1934 foi o reconhecimento, pela Justiça Eleitoral, de sua forte atuação pelo sufrágio feminino ao longo das décadas de 1920 e 1930, como jornalista, escritora e ativista pelas causas sociais ligadas às mulheres. 

Atuando fortemente na Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, Anna Amélia continuou lutando e incentivando outras mulheres a ingressarem nas frentes políticas. Nas eleições de 1934, ela e suas companheiras tentaram eleger a paulista Bertha Lutz para a Constituinte Estadual por São Paulo. Com sua singular influência junto às elites políticas da Capital Federal, Anna Amélia também atuou para pressionar parlamentares a incluírem, na Constituição Brasileira, mais direitos para as mulheres. Ela também promoveu uma convenção nacional na Bahia, buscando modernizar a estrutura da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, objetivando transformá-la em uma organização nacional de grande porte.

Anna Amélia com o presidente Café Filho e outros na Casa do Estudante do Brasil

Em 1923, a convite de Bertha Lutz, Anna Amélia assume a vice-presidência da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, cujo objetivo era a ampliação dos direitos civis e políticos das mulheres, a partir da valorização e reconhecimento da contribuição feminina para a sociedade, com ênfase na formação intelectual e na participação política através do voto.

Em suas publicações e discursos, Anna Amélia enfatizava a luta pela conquista da cidadania plena pelas mulheres, mas não questionava o papel da mulher nas estruturas familiares. Para ela, a mulher tinha tudo para ser uma “guerreira” ao lado do homem, mas jamais poderia deixar de lado suas responsabilidades como esposa e mãe.

Esse feminismo “bem-comportado” teve grande influência na conquista do sufrágio feminino. Suas representantes eram, na maior parte, oriundas de famílias de tradição política, militar ou intelectual e gozavam de um prestígio que lhes favorecia uma aproximação maior com os meios políticos da época, àquela altura bastante agitados pelo Modernismo nas artes e na cultura.

Apesar do tom moderado, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino avançou em temas até então polêmicos, como o ensino superior feminino e o divórcio, e impulsionou movimentos sufragistas em vários estados brasileiros, dentre eles o Rio Grande do Norte, onde, em 1927, foi decretada uma lei estadual permitindo o alistamento e a candidatura de mulheres.

Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça nasceu no Rio de Janeiro, em 17 de agosto de 1896 e faleceu em 31 de março de 1971. Ao longo dos seus 74 anos viveu intensamente cada fase de sua existência. Filha mais velha de Laura Machado de Queiroz e do engenheiro José Joaquim de Queiroz Júnior – considerado o pioneiro da Siderurgia no Brasil, passou sua infância em Itabirito/MG, entre 1900 e 1910, onde seu pai havia fundado a Usina Esperança (mais tarde denominada Usina Queiróz Júnior). 

Criada em um ambiente marcado pela intelectualidade, Anna Amélia foi educada por tutoras brasileiras, inglesas e alemãs, fato que despertou nela o gosto pelo estudo das línguas, História e Literatura e, mais ainda, o fascínio pelas viagens e pelas culturas em todo o mundo. Ela falava fluentemente o Inglês, o Francês e o Alemão. 

Ainda em Itabirito encantou-se com o Futebol, esporte que, trazido pelos ingleses ao Brasil, começava a virar moda entre os jovens da elite social daquela época. De volta ao Rio de Janeiro e frequentando sempre os círculos desse esporte, foi justamente numa partida entre o America Football Club e o Fluminense Football Club, em 1913, que ela se apaixonou pelo “goalkeeper” Marcos Cláudio Philippe Carneiro de Mendonça, mineiro de Cataguases, que, àquela época, jogando no América, com sua juventude e os seus 1,87 m de altura, já arrancava os suspiros da torcida feminina, sendo considerado o primeiro ídolo do Futebol brasileiro. Passando depois ao Fluminense, Marcos Carneiro de Mendonça, tornou-se o primeiro goleiro da Seleção Brasileira, chegando a presidir o time por dois anos. Os encantos do atleta atraíram a atenção de Anna Amélia, mas a alma inquieta da moça se apaixonou pela cultura elevada do goleiro, que se destacou também na intelectualidade carioca, como renomado historiador e escritor. 

Do casamento de Anna Amélia e Marco, em 1917, nasceram Márcia Cláudia, Diana Laura, José Joaquim e Bárbara Heliodora, esta última, seguindo os passos da mãe, destacou-se como crítica teatral e literária, ensaísta, tradutora e uma das maiores autoridades em literatura shakespeariana. O casal, fortemente unido até a morte de Anna Amélia, em 1971, fez várias viagens pelo mundo, colecionando antiguidades e muitas histórias. O futebol foi sempre uma paixão comum entre ambos e, no Solar dos Abacaxis, onde residiam, no antigo bairro do Cosme Velho, no Rio de Janeiro, costumavam receber, em famosos saraus, os companheiros dos times cariocas, mas também os muitos amigos dos meios artísticos e intelectuais.

Anna Amélia com a família em 1937

Em 1908, que presente de aniversário uma menina de 12 anos poderia pedir a seu pai? Bonecas de porcelana? Vestidos rendados ou laços de fitas? Anna Amélia pediu um par de chuteiras e uma bola de futebol. Apaixonada pelo esporte desde pequena, ela costumava organizar animadas partidas com os filhos dos funcionários da usina siderúrgica fundada, em Itabirito, por seu pai, o engenheiro José Joaquim de Queiróz Júnior. Para que todos aprendessem a jogar o “Football”, Anna Amélia traduziu do Inglês as regras do jogo. 

Naquela época, o futebol fazia sucesso entre os jovens da elite brasileira e os clubes de esporte costumavam ser, mais que um passatempo divertido, um concorrido ponto de paquera, os famosos “flertes”. No Rio de Janeiro, o campo do Fluminense, no Bairro das Laranjeiras, costumava atrair as mocinhas casadoiras, mas, para jovens como Anna Amélia, estar num estádio de futebol significava também ocupar espaços predominantemente masculinos. 

Seja como for, foi em 1911, durante um intervalo de jogo, nas arquibancadas, que Anna Amélia, aos 15 anos, conheceu seu grande amor – o goleiro Marcos de Carneiro de Mendonça. Encantada pelo “charme” do galã, já àquela altura, com 17 anos, um ídolo do Fluminense, Anna Amélia descreveu esse sentimento em vários de seus poemas publicados no livro “Alma”, em 1922, como em “Mal de amor”: “Foi sob um céu azul, ao louro sol de maio, que um dia eu te encontrei formoso como Apolo...” ou em “O Salto”: “No cenário sem par de um pálido crepúsculo/ Tu te lançaste no ar, vibrando em cada músculo/ Por entre as aclamações da massa entusiástica...” 

A paixão pelo elegante goalkeeper Marcos – primeiro e mais jovem goleiro a integrar a Seleção Brasileira de Futebol mas também pelo esporte, fez Anna Amélia alcançar um outro pioneirismo – o de ser a primeira mulher no mundo a produzir um texto literário sobre esse o Futebol, em um momento em que a intelectualidade literária brasileira pouco se importava com aquele esporte que viria a ser, anos depois, a “paixão nacional”.

Aos 14 anos de idade, em 1911, Anna Amélia publicou seu primeiro livro – “Esperança”. A partir daí, a narrativa e a poesia tornaram-se uma meta em sua vida. Em 1922 ela publica “Alma” e, em 1926, um novo livro: “Ansiedade”. “A harmonia das coisas e dos seres” veio em 1936, seguido, em 1939, por “Mal de amor”. Anos depois, em 1951, a escritora publica “50 poemas de Anna Amélia”.

Especialista em Língua Inglesa, Anna Amélia de Queiróz Carneiro de Mendonça destacou-se, em sua época, não somente como jornalista, escritora e feminista, mas também como uma das mais perfeitas tradutoras da obra de William Shakespeare em todo o mundo, e, ainda, por sua estreita ligação com o mundo acadêmico.

Grande entusiasta da Educação, não foi por acaso que ela fundou, em agosto de 1929, no Rio de Janeiro, a Casa do Estudante do Brasil, sendo sua presidente vitalícia até seu falecimento, em 1971, e mantendo, através de pequenos financiamentos estudantis, a permanência de muitos estudantes nas faculdades cariocas. Em sua homenagem, os estudantes deram o nome de Anna Amélia à praça que fica em frente à Casa do Estudante do Brasil. A instituição, responsável pela edição de vários livros ao longo de várias décadas, funciona até hoje em um edifício no Centro do Rio, oferecendo cursos, biblioteca, auditório e restaurantes, além de um albergue da juventude.

Anna Amélia, Manuel Bandeira e outros na Casa do Estudante do Brasil
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