Batalhão Feminino "João Pessoa"

foto e partitura do hino do batalhao joao pessoa
Foto e hino do Batalhão Feminino "João Pessoa"

A REVOLUÇÃO DE 1930

As origens da Revolução de 1930 estão na “Política dos Governadores”, iniciada em 1898 por Campos Sales – quarto presidente da República. Uma vez que o Brasil havia se desenvolvido em núcleos municipais, a relação de trocas de favores políticos se intensificara entre as lideranças municipais e os governadores estaduais, estes indicados pelo presidente da República. Assim, as lideranças municipais (os “coronéis”), que controlavam o eleitorado nos chamados “currais eleitorais” por meio dos “votos de cabresto” e de outras práticas que faziam dos pleitos apenas um teatro, elegiam às câmaras estaduais apenas candidatos escolhidos a dedo. Uma vez eleitos, os governadores tinham o poder de destituir aqueles deputados que se opusessem a eles ou ao presidente da República.

Uma vez que o peso político e econômico de Minas Gerais (maior colégio eleitoral àquela época) e de São Paulo eram os maiores, a “Política dos Governadores” passaria a ser também a chamada “Política do Café-com-Leite”, uma vez que São Paulo (com grande produção de café) e Minas (com grande produção de leite) destacavam-se dos demais estados.

Essa situação, mantida ao longo de quatro décadas, gerou profundas crises entre os estados, levando à revolta, de modo especial, os governadores de Pernambuco, Rio de Janeiro, Paraíba e Rio Grande do Sul. A partir de 1922, com a realização da Semana de Arte Moderna e as revoltas de militares no Rio de Janeiro, sentimentos de nacionalismo começam a aflorar na sociedade brasileira e uma “reação republicana” começa a tomar forma.

Com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, nos Estados Unidos, em 1929, e com a consequente desvalorização do café (único produto de exportação do Brasil naquela época), fato que levou à ruína muitos cafeicultores paulistas e mineiros, as eleições de 1930 acabaram por ser o ponto de ebulição naquele “caldeirão fervente”. Seguindo a “tradição” da “Política do Café-com-Leite”, o então presidente do Estado de Minas Gerais, Antônio Carlos Andrada, deveria ser o sucessor de Washington Luís na Presidência da República, cujo mandato estava já por terminar. No entanto, o candidato indicado foi o governador do Estado de São Paulo, Júlio Prestes, quebrando, assim, o pacto político com Minas Gerais.

Os membros do Partido Republicano Mineiro reagem, então, à “traição” dos paulistas e, aliando-se aos líderes políticos do Rio Grande do Sul e da Paraíba, formam a Aliança Liberal para apoiar a candidatura do governador do Estado do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, à Presidência. O candidato a vice-presidente seria João Pessoa, à época governador da Paraíba. No entanto, foi Júlio Prestes, candidato paulista indicado pelo governo de Washington Luís, o vencedor das eleições, realizadas no dia 1º de março de 1930.

O resultado nas urnas atiçou os ânimos e os conflitos nas ruas tornam-se mais frequentes e violentos. A Aliança Liberal apontou fraude nas eleições. Para agravar a situação, no dia 26 de julho daquele ano, João Pessoa foi assassinado durante uma viagem ao Recife por um inimigo político regional e o episódio, que ganhou as manchetes de quase todos os jornais do país, deu novo impulso às ações da Aliança. Durante 14 dias, o corpo de João Pessoa, levado de navio e de trem a algumas capitais do Nordeste, aumentava a comoção do povo e a revolta contra o presidente eleito. Ao chegar ao Rio de Janeiro, o corpo do político paraibano foi finalmente enterrado com todas as honras, cercado por uma imensa multidão de cerca de 100 mil pessoas. 

Concentrados no Rio de Janeiro e com o apoio dos tenentes, militares e cafeicultores insatisfeitos, a Aliança Liberal articula o golpe final, em 24 de outubro de 1930, derrubando Washington Luís da Presidência da República 21 dias antes do término de seu mandato. O Palácio do Catete foi invadido. Preso, Washington Luís foi conduzido ao Forte Copacabana, exilando-se, posteriormente, nos Estados Unidos. Júlio Prestes, que se encontrava no exterior, sendo recebido já como presidente do Brasil nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, decide pedir asilo à Inglaterra, permanecendo ali até 1934. Uma junta militar, denominada “Junta Pacificadora”, assume o governo federal e o transmite a Getúlio Vargas no dia 3 de novembro de 1930.

 

O BATALHÃO FEMININO JOÃO PESSOA

Reconhecido como um dos marcos da luta pela emancipação feminina no Brasil, o Batalhão Feminino João Pessoa é também um importante componente da mobilização política que envolveu o país no final da década de 1920 e início da década de 1930. O nome dado ao Batalhão Feminino foi uma homenagem ao governador da Paraíba, João Pessoa, cujo assassinato havia contribuído em muito para a deflagração da Revolução de 1930, deposição do presidente Washington Luís e ascensão ao poder de Getúlio Vargas.

Criado e comandado pela advogada e sufragista mineira Elvira Komel – primeira mulher a exercer a advocacia em Minas Gerais (no Fórum de Belo Horizonte) e considerada a única líder feminista a atuar no Século XX, no estado – o Batalhão Feminino João Pessoa, fundado no dia 5 de outubro de 1930, tinha os mesmos ideais revolucionários da época e seguia a organização militar, dividindo-se em diferentes comissões: Informações; Amparo às famílias dos Combatentes; Confecção de Roupas, Lenços e outras Peças de Vestuário; Proteção à Indigência; Angariadora de Donativos e Cruz Vermelha. Vale dizer que a década de 1930 foi, no Brasil, bastante influenciada pelo militarismo decorrente da realidade político-econômica vivida pela Europa naquele momento, com a ascensão de grupos de caráter totalitário, como o Nazismo, o Fascismo e o Comunismo.

Incentivadas pelo entusiasmo da Dra. Elvira Komel, cerca de 8 mil mulheres se tornaram voluntárias no Batalhão Feminino João Pessoa. Destas, 1.200 em Belo Horizonte e as demais espalhadas em outros 54 municípios mineiros. Devidamente uniformizadas, essas mulheres atuaram ativamente no movimento revolucionário de 1930 em apoio à candidatura de Getúlio Vargas e também em favor das reivindicações do movimento feminista brasileiro, dentre eles a educação formal para as mulheres e o direito ao voto.

O entusiasmo atingiu também comerciantes e empresários. Foi assim que o Batalhão Feminino conseguiu o apoio da Companhia Cia. Singer, que emprestou e transportou máquinas para o “Salão de Costuras”, instalado à Rua Curitiba nº 607, em Belo Horizonte. Durante a Revolução foram confeccionados mais de quatro mil fardamentos para os soldados. Naquela época, o Jornal Minas Gerais assim destacava a atuação do Batalhão Feminino: “de fardas de brim cáqui e confeccionando a bem da Revolução mais de quatro mil fardamentos para os soldados e servindo nos hospitais de sangue da Capital e dos municípios mineiros, além de terem como obrigatória a instrução militar feminina. Eram mulheres de todas as classes e profissões sociais, incluindo 300 enfermeiras práticas, postas à disposição da Saúde Pública (através da aquiescência do secretário da Saúde, Dr. Ernani Agrícola) e bem comandadas pela inesperada comandante.”

Percorrendo cidades mineiras e de outros vários estados, as “legionárias da Komel”, como também ficaram conhecidas na época, levavam mensagens de patriotismo e nacionalismo, enquanto colhiam assinaturas em apoio à inclusão do sufrágio feminino e de outros direitos para as mulheres no Código Eleitoral, que então se encontrava em elaboração, e na futura carta constitucional que viria a ser promulgada em 1934.

Com o fim do movimento revolucionário, o Batalhão Feminino João Pessoa foi transformado na Associação Feminina João Pessoa, entidade que incentivou, em Minas, a criação de vários outros núcleos ligados à luta pelos direitos da mulher. Através da Associação Feminina João Pessoa, a Dra. Komel realizou, em 1931, em Belo Horizonte, o I Congresso Feminino Mineiro, com representantes de Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, Rio Grande do Sul e da Paraíba, além das integrantes da Aliança Nacional de Mulheres, entidade fundada pela também sufragista Natércia Silveira, com sede no Rio de Janeiro. Alzira Vargas, esposa de Getúlio Vargas, foi a presidente de honra do evento.

Ainda em 1931, a Associação Feminina João Pessoa junta-se à Legião Feminina para formar o Partido Liberal Feminino Mineiro. No programa, o incentivo a uma maior participação feminina na sociedade e na política e o acirramento das lutas pela igualdade dos direitos em relação aos homens. Em 24 de setembro daquele ano, Elvira Komel, em entrevista ao Jornal Correio da Manhã, afirmava que o objetivo da corporação seria “proteger a mulher, trabalhar pela sociedade e pela pátria, colaborando, também, na realização do programa revolucionário, para que a República Nova se torne realidade”.

 

ELVIRA KOMEL

Elvira Komel nasceu em São João do Morro Grande (atual município de Barão de Cocais), em junho de 1906, filha do engenheiro austríaco Ernest Komel e da mineira Marieta Correia Guedes. Em 1925, aos 19 anos, mudou-se, com a família, para o Rio de Janeiro, onde se graduou em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Rio de Janeiro, em novembro de 1929. Em janeiro de 1930 já era apontada, pelo jornal “Diário Carioca” como a “leader do movimento feminista” de Minas Gerais.

Em 1928, Elvira Komel foi a segunda mulher a se alistar como eleitora em Minas Gerais (por meio de ação judicial) e, em 8 de maio de 1929, tornou-se a primeira eleitora a exercer o direito de voto no Estado. A primeira mulher a se alistar como eleitora foi a também advogada Maria Ernestina Santiago (Mietta Santiago), autora da petição que, quatro anos antes do Código Eleitoral, reconheceu às mulheres o direito ao voto. Grande oradora e admirada no meio judiciário por sua atuação no Tribunal do Júri, Elvira Komel também escrevia artigos para revistas e jornais e frequentava os meios intelectuais e culturais do país, sendo particularmente amiga de escritores de destaque, como Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava.

Incansável em sua luta pela emancipação feminina por meio da educação formal e da participação igualitária na esfera política e trabalhista, Elvira Komel era recebida por empresários e políticos em todos os níveis, incluindo ministros e até o próprio presidente Getúlio Vargas. Em outubro de 1931, ao comentar o anteprojeto de reforma eleitoral, Elvira criticou um dos aspectos relativos ao sufrágio feminino, uma vez que o direito de voto que estava sendo concedido no Código Eleitoral ainda condicionava a mulher a algumas situações, colocando-a em posição inferior em relação ao homem. Para votar, as mulheres solteiras deveriam exercer profissões remuneradas e as casadas somente poderiam exercer o voto com a anuência dos maridos.

Em julho de 1932, quatro meses após a promulgação do Código Eleitoral e instituição do sufrágio feminino, Elvira Komel lança, em Belo Horizonte, um manifesto pela pacificação do Brasil. É que, iniciada em São Paulo, já transcorriam os confrontos da Revolução Constitucionalista, cujo objetivo principal era a derrubada do governo provisório de Getúlio Vargas e a convocação de uma Assembleia Constituinte.

Ainda em julho, Elvira já se preparava para concorrer ao senado estadual como deputada quando, no dia 25 daquele mês, faleceu vítima de um aneurisma, segundo a família. Ela tinha, então, 26 anos de idade e seu corpo foi sepultado no Cemitério do Bonfim. O falecimento da Dra. Elvira Komel teve grande impacto em Minas e no Brasil e muitas foram as homenagens recebidas nos primeiros anos após sua morte.

 

O HINO DO BATALHÃO FEMININO JOÃO PESSOA

Ambrosina Coelho Júnior – ou Ziná, como era mais conhecida nos meios culturais – nasceu em Diamantina, em 1907. Seu avô materno, João Nepomuceno Ribeiro Ursini, foi um conhecido maestro e compositor diamantinense. No entanto, seguindo os passos de seu pai, o médico Joaquim Coelho de Araújo Júnior, Ziná Coelho graduou-se, em 1925, em Farmácia pela Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte, tendo por colega o escritor Carlos Drummond de Andrade. Posteriormente, seguindo também os passos do avô, ela se torna uma das primeiras alunas do Conservatório Mineiro de Música, em Belo Horizonte, diplomando-se, ali, em 1936, como Professora de Música. Posteriormente, em 1966, Ziná Coelho Júnior se tornaria a primeira regente de orquestra a se diplomar pelo Conservatório de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

Durante 50 anos, entre as décadas de 1930 e 1980, Ziná Coelho Júnior marcou presença no cenário musical mineiro. Seja como instrumentista, compositora e professora, suas peças didáticas fizeram grande sucesso em todo o país e suas composições integraram catálogos de obras selecionadas, concursos de piano e programas de repertório para iniciantes de diversas instituições.

Foi justamente no início de sua brilhante carreira musical que Ambrosina Coelho Júnior, a Ziná, conheceu Elvira Komel. Mulheres de sucesso na sociedade belorizontina, elas se empenharam em todas as ações ligadas à luta pela emancipação feminina em Minas Gerais. Ziná aderiu ao Batalhão Feminino João Pessoa e, por sua formação acadêmica em Farmácia, foi logo promovida a Capitã-Farmacêutica na Comissão da Cruz Vermelha em favor dos auxílios médicos aos combatentes. Suas experiências nas frentes de batalha, no entanto, levaram a musicista Ziná a compor, em outubro de 1930, o hino do Batalhão Feminino, intitulado “Avante! Batalhão ‘João Pessoa’!” cujo caráter cívico, nacionalista e marcial apareceria também em muitas de suas futuras obras.

O hino tornou-se a marca registrada do Batalhão Feminino João Pessoa e era sempre entoado pelas legionárias mineiras ao chegarem em outros estados. Pode-se dizer que o “Batalhão da Komel” inaugurou a “República Nova” (período histórico que sucede a “República Velha” em termos políticos) quando, em 15 de novembro de 1930, o hino foi executado durante a inauguração oficial da Praça João Pessoa (antiga Praça dos Governadores), na capital do Estado do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, em meio à grande comoção nacional pelo assassinato do governador da Paraíba, vice na chapa presidencial de Getúlio Vargas pela Aliança Nacional.

Em Belo Horizonte, o canto das legionárias do Batalhão Feminino na Praça da Liberdade tomou as manchetes dos jornais, no dia 30 de outubro, a exemplo desta, do Jornal “A Tarde”. “Defronte à Secretaria do Interior, depois que o Estado Maior levou do Governo os seus cumprimentos, as valentes soldadas entoaram o bellissimo hymno official do Batalhão, que lhe foi offerecido pela compositora mineira, senhorinha Ziná Coelho Júnior. Foi este um dos maiores successos alcançados hontem pelo Batalhão. O hymno, pela primeira vez executado por banda conjuncta, teve orchestração magnífica, que impressionou vivamente os que o ouviram. A brilhante Sociedade Musical ‘Carlos Gomes’ executou-o com notável maestria.”  

Além de sua participação no Batalhão Feminino João Pessoa, Ziná Coelho Júnior esteve no “I Congresso Feminino Mineiro”, em junho de 1931, no plenário da Câmara dos Deputados de Minas Gerais - na antiga sede à praça Afonso Arinos, mesmo imóvel que a Justiça Eleitoral também ocuparia exatamente um ano depois. Ziná integrou também o Núcleo Feminino da ‘Legião de Outubro’ e fundou a Associação Feminina Mineira, que teve sua primeira reunião em novembro de 1930, na sede do América Futebol Clube, na Rua dos Caetés, 343, no Centro de Belo Horizonte.

 

Avante! Batalhão ‘João Pessoa’! (*)

Música de Ziná Coelho Júnior – Letra de Celina Coelho

I

De norte a Sul – agita-se o Gigante!

É a marcha augusta de um Porvir triumphante!

A Patria sofre! Sus! Brasileiro!

É João Pessoa o nosso Pioneiro!

Na terra ativa dos Inconfidentes,

Ergueu-se a estirpe audaz dos Tiradentes!

Jamais um bravo a injustiça escuta!

Irmãos, às armas! Vencei na lucta!

II

Junto a Marilia e Heliodora,

Elvira Komel é acção!

Mulher – soldado – não chora!

Mulher – alma – é proteção.

Preparamos vossa farda

não podendo combater!

Mas ficamos na vanguarda

do civismo e do dever!

III

Arautos da Nova Aurora,

bravos soldados, marchae!

ouvindo as vozes de outr’ora!

de Minas, do Paraguay!

Gravae na vossa bandeira,

Ó Batalhão JOÃO PESSOA:

- Minas é livre e altaneira!

E o BRASIL não si agrilhoa!

 

(*) transcrição da partitura original – acervo do Centro de Memória da Justiça Eleitoral de Minas Gerais

 

 

 

Referências:

“Elvira Komel: uma estrela riscou o céu” – Lélia Vidal Gomes da Gama. 1978.

 “O Círio Perfeito” – Pedro Nava. 1983.

“Ziná Coelho Júnior: a vida e a obra de uma musicista mineira- Marcelo Corrêa Gonçalves dos Santos. 2004.

Série “Feministas Graças a Deus” – Elvira Komel (1906-1932) A feminista mineira que passou como um meteoro
Brasiliana Fotográfica – https://brasilianafotografica.bn.gov.br

 

Berenice Sobral

Seção de Memória Eleitoral

25 de agosto de 2023