O caminho do voto informatizado

Roberto Siqueira prototipo urna eletronica
O servidor Roberto Siqueira e o protótipo da urna eletrônica


O que o Código Eleitoral de 1932, as Eleições de 1994 e um modelo experimental de voto informatizado poderiam ter em comum? A resposta é: Uma longa história de tentativas e erros com um final feliz.

A votação por meio de máquinas no Brasil é mais antiga que se pode pensar. “Máquinas de votar” estão previstas para uso nas eleições brasileiras desde 1932, quando foi promulgado o primeiro Código Eleitoral Brasileiro. Em seu artigo 57, o compêndio de leis eleitorais admitia, desde então, que as eleições poderiam vir a contar com tais mecanismos. Naquela época, a proposta de uso de máquinas de votar nas eleições foi sugerida por um dos integrantes da comissão de juristas que elaboravam o Código Eleitoral. Tendo feito uma viagem aos Estados Unidos, viu de perto o funcionamento do voto mecanizado e tratou de alertar os colegas da comissão sobre os benefícios do voto mecanizado para o combate às fraudes eleitorais.

Vale lembrar que, naquela época, o Código Eleitoral (que instituiu a Justiça Eleitoral, o voto secreto e o voto feminino, dentre outras importantes novidades) buscava ser uma resposta a quatro décadas de práticas eleitorais nefastas (1889-1930), nas quais a fraude era praticamente a regra e não a exceção.

Após a publicação do Código Eleitoral Brasileiro, em 24 de fevereiro de 1932, empresas estrangeiras e pesquisadores brasileiros passaram a apresentar protótipos de máquinas de votar ao Tribunal Superior Eleitoral, mas o momento de se adotar o voto automatizado ainda não havia chegado.

Somente a partir da década de 1970, com o início do processo de informatização no Brasil, o tema começa a ser debatido no âmbito da Justiça Eleitoral, a partir de algumas iniciativas pioneiras de Minas Gerais. Nos anos 80 a informatização atinge o Cadastro Nacional de Eleitores, a partir do grande recadastramento nacional do eleitorado, em 1986. Em seguida, já no início na década de 1990, o foco da informatização passa a ser a totalização dos resultados eleitorais. O voto eletrônico passa, então, a ser a próxima meta.

 Os debates sobre a informatização do voto, iniciados no início dos anos 90, foram incentivados pela finalização da integração da rede de informática da Justiça Eleitoral, com a instalação de microcomputadores em todos os tribunais e zonas eleitorais. No entanto, o voto eletrônico passou a ser caso de emergência a partir das eleições gerais de 1994. Naquele ano, no estado do Rio de Janeiro, o pleito eleitoral fora marcado por uma impressionante quantidade de fraudes, envolvendo o preenchimento criminoso de milhares de cédulas em branco, além do uso ilegal de comprovantes de votação de eleitores que não compareceram aos locais de votação.

Apesar da anulação parcial do pleito naquele estado, o impacto negativo gerado por tais fatos na credibilidade das eleições foi tão perturbador, que ensejou a imediata implementação do processo de informatização do voto. Assim, em abril de 1995, foi criada a Comissão de Informatização das Eleições Municipais de 1996. Presidida pelo então Corregedor-Geral do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Ilmar Galvão, e tendo por relator o Dr. Paulo César Bhering Camarão, Diretor de Informática do TSE, o grupo foi composto por juristas e especialistas em informática, além de magistrados e servidores da Justiça Eleitoral.

A meta era a criação de “coletores eletrônicos de votos” para as eleições de 1996 e, para isso, a comissão trabalhou em grupos distintos até 30 de agosto de 1995. Naquele ano, as primeiras experiências com o voto informatizado em eleições oficiais e não-oficiais foram realizadas em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais a partir de computadores com teclados adaptados. Em Minas, essa experiência aconteceu na pequena Matipó.

Paralelamente, alguns TREs passaram a desenvolver projetos de votação eletrônica e a Comissão de Informatização das Eleições de 1996 analisou vários modelos apresentados por empresas estrangeiras ou sediadas no Brasil. Os TREs do Mato Grosso e de Minas Gerais apresentaram seus protótipos de “coletores eletrônicos de votos”.

De todos os modelos, porém, o protótipo apresentado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais foi o que mais se aproximou do ideal imaginado pelos integrantes do grupo técnico e pode-se dizer que, a partir do equipamento oferecido pelo TRE mineiro “nascia”, de fato, a urna eletrônica brasileira.

O protótipo, idealizado por Roberto Siqueira, à época Diretor de Informática do TRE-MG, e produzido pela empresa IBM, estabeleceu as características estéticas e funcionais de processamento do “coletor eletrônico de votos”: teclado numérico semelhante aos utilizados nos aparelhos de telefone e as teclas coloridas (branco, laranja e verde) indicando, respectivamente, as funções branco, corrige e confirma. Além disso, possuía dispositivo para a impressão interna do voto (utilizando bobina de papel) e boa velocidade de processamento.

 A partir do modelo desenvolvido pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais o Tribunal Superior Eleitoral reuniu especialistas em informática para especificarem as características finais do equipamento. O TSE reuniu, então, os melhores profissionais da área com atuação no Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), no Ministério da Ciência e Tecnologia, no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás, além de técnicos dos ministérios militares.

Ao ser apresentado ao público, em maio de 1996, o Coletor Eletrônico de Votos foi imediatamente apelidado de “urna eletrônica” pela Imprensa brasileira, a partir de uma matéria do “Jornal do Brasil”. A partir daí seguiram-se outras importantes etapas de testes e de divulgação da urna ao eleitorado. O primeiro teste foi realizado em Curitiba, Paraná, e não foi muito animador, quase colocando em xeque a continuidade do projeto. Já o segundo teste, em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, com um número maior de eleitores voluntários, foi bastante positivo.

A fase de divulgação do voto informatizado conta uma história à parte na Justiça Eleitoral. Era necessário apresentar a urna a todos ao maior número possível de eleitores em todo o país, num prazo de apenas quatro meses, até a data das eleições, em outubro. O esforço uniu, em um grande mutirão, servidores e magistrados da Justiça Eleitoral, além da ampla divulgação da urna eletrônica em todos os meios de comunicação.

Em 1996, as 77 mil urnas eletrônicas – produzidas pela empresa Unisys – foram a atração principal das eleições nas capitais e nas cidades com mais de 200 mil eleitores em cada estado. Em 1998, a urna eletrônica foi utilizada nas eleições em um número maior de municípios por estado, até que, no ano 2000 todo o Brasil utilizou a urna eletrônica nas eleições municipais. O objetivo final – tornar transparente o processo eleitoral a partir da eliminação das fraudes que envolviam cédulas de papel – havia sido alcançado.

Em 2006, dez anos após a criação da urna eletrônica, Roberto Siqueira, que também foi um dos principais responsáveis pela implantação do Centro de Processamento de Dados do TRE de Minas Gerais, foi condecorado com a Medalha de Mérito Eleitoral “Des. Vaz de Mello” por sua dedicação à informatização da Justiça Eleitoral.

Quer conhecer de perto o protótipo mineiro apresentado ao TSE e os vários modelos de urna eletrônica desde 1996? Visite o Centro de Memória da Justiça Eleitoral de Minas Gerais.

Berenice Sobral – Seção de Memória Eleitoral/CGI/SGE

15 de junho de 2023