Microfichas – soluções antigas para problemas atuais

Imagem de uma leitora de microficha  e várias microfichas ao lado
Equipamentos utilizados pela Justiça Eleitoral partir da década de 1980

Há 50 anos, com o advento das produções digitais, o armazenamento dos documentos eletrônicos passou a ser uma das maiores preocupações das instituições públicas e privadas em todo o mundo. Apesar dos grandes repositórios de dados digitais constituídos ao longo das últimas décadas, sabe-se que as formas de armazenamento físico têm períodos de validade extremamente curtos em relação à sua necessidade de preservação.

Em meio a tanta modernidade, uma invenção do Século 19 se apresenta como solução para “salvar” as informações digitais do temido risco de extinção. Estamos falando do Leitor de Microfichas – uma maquininha analógica que pode ser encontrada nos fundos das bibliotecas ou hemerotecas em quase todo o mundo até hoje, em pleno Século 21.

Apesar de toda a tecnologia de arquivamentos digitais, envolvendo hoje supercomputadores para a guarda de documentos e imagens em “nuvens”, os microfilmes e microfichas não perderam seu valor, apresentando-se como opção mais segura para a guarda de informações em formato digital por um simples motivo: são imunes aos “bit rot”, ou seja,  ao “apodrecimento dos bits”, podendo manter sua integridade por mais de 500 anos.

Os velhos disquetes magnéticos utilizados largamente nas décadas de 1980 e 1990 costumam durar 20 anos em média, enquanto que CDs ou DVDs gravados podem se tornar ilegíveis em pouco mais de cinco anos. Além disso, os formatos dos arquivos agravam essa preocupação, uma vez que, em decorrência da evolução dos hardwares, as gravações em mídias feitas há 10, 20 ou mais anos acabam se tornando inacessíveis, uma vez que, em razão da obsolescência rápida dos equipamentos, desaparecem facilmente do mercado os computadores mais antigos formatados para a leitura das mídias daquelas épocas.

Já com os microfilmes ou microfichas tais problemas não acontecem. Uma vez que o material utilizado neles não se deteriorará ao menos ao longo dos próximos cinco séculos, as informações ali contidas só necessitarão de uma lente de aumento para serem visualizadas e, em caso de catástrofes climáticas ou cataclismos geológicos, os futuros arqueólogos ainda conseguirão ter acesso àqueles dados através daquelas simples folhinhas de matéria plástica.

As máquinas leitoras de microfichas substituíram as antigas lentes, montadas como microscópios, através das quais se podiam ler as informações em tamanhos não detectados a olho nu e se tornaram muito populares entre as décadas de 1960 e 1990, até o advento dos computadores portáteis.

Na Justiça Eleitoral, tais equipamentos passaram a se tornar parte da rotina dos cartórios eleitorais a partir da década de 1980. O recadastramento nacional do eleitorado, realizado ao longo de 1986, agilizou a informatização do Cadastro Nacional de Eleitores junto às zonas eleitorais. Paralelamente, a partir dos contratos do Tribunal Superior Eleitoral com o SERPRO – Serviço Nacional de Processamento de Dados, os milhões de fichas em papel, manuscritas ou datilografadas, contendo os dados pessoais dos eleitores, foram substituídas pelos conjuntos de microfichas.

Os cartórios eleitorais passaram, então, a receber os respectivos aparelhos leitores de microfichas, para as devidas consultas. As microfichas eram recebidas após o Batimento Nacional – procedimento que, nos anos eleitorais, atualiza o Cadastro Eleitoral.

Já na década de 1990, a partir da adoção dos microcomputadores nos tribunais e cartórios eleitorais, a utilização das microfichas e dos respectivos leitores de microfichas foi sendo reduzida, até ser definitivamente encerrada em 1996.

 

Uma proposta genial

 

Essa história começa em 1839, quando o cientista inglês John Benjamin Dancer, considerado o pioneiro da microfotografia, elaborou um sistema que possibilitava a impressão de imagens 160 vezes menores em relação aos tamanhos originais e que somente poderiam ser visualizadas a partir de um aparelho microscópios também por ele desenvolvido. Apesar do sucesso de suas microfotos, Dancer não registrou sua criação, deixando os maiores lucros financeiros para o francês René Dagron que, vinte anos depois, em 1859, patenteou o método, iniciando, assim, a comercialização das microimagens.

A partir de 1870, no entanto, as microfotografias passaram a ser usadas como estratégia de batalha. Durante a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), a invenção de John Dancer deu origem à criação de micromensagens para serem levadas por pombos-correio até Paris, passando facilmente pelas linhas alemãs.

 O comércio da microfilmagem passou a ser desenvolvido na década de 1920, pelo banqueiro norte-americano George McCarthy. Em 1925, o nova-iorquino conseguiu uma patente para sua máquina Checkograph, projetada para copiar registros bancários. Em 1928, a Eastman Kodak comprou a patente de McCarthy, passando, então, a comercializá-la na Divisão Recordak, da empresa.

A microfilmagem é um processo de armazenamento de informações que consiste em reproduzir documentos em miniatura, em uma folha de filme fotográfico transparente. A Recordak aperfeiçoou a câmera de microfilme de 35 mm e, em 1935, passou a utilizar o equipamento na gravação e publicação do jornal The New York Times em microfilme. A significativa evolução das técnicas de microfilmagem alcançou os arquivos e bibliotecas das instituições públicas norte-americanas. Em 1939, a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos já havia armazenado três milhões de documentos em formato de microfilme.

Preocupada, também, com a rápida deterioração dos documentos originais em papel e com as crescentes dificuldades no armazenamento e uso de jornais, a Biblioteca da Universidade de Harvard iniciou, em 1938, um projeto permanente de microfilmagem de jornais estrangeiros e que continua até os dias atuais. Também em 1938, o empresário norte-americano Eugene Power fundou a University Microfilms, Inc., a partir de um projeto inicial de microfilmagem de livros estrangeiros e raros que, com o tempo e com os grandes lucros, transformou-se em um empreendimento comercial dedicado à microfilmagem de teses de doutorado.

As microinformações voltam a ser objeto estratégico durante a Segunda Guerra Mundial, quando microfotos e microfilmes passam a ser amplamente usados para espionagem e correspondências militares. Os países envolvidos no conflito enviavam suas cartas ao exterior em microfilmes. A destruição de muitas cidades e os danos causados pelos bombardeios às instituições na Europa aceleraram a preocupação com o desaparecimento dos registros da civilização e tal ameaça aumentou o uso dos microformatos para a salvaguarda de documentos, fotografias, arquivos e coleções.

Nas décadas que se seguiram, as microformas passaram a ser utilizadas como fontes ativas de informação e para armazenamentos mais eficazes de documentos. Nos anos 1970, a grande quantidade de informações em circulação pelo planeta forçou bibliotecas e arquivos a se valerem das microfichas como alternativa aos materiais impressos, sempre mais caros e volumosos. Passou-se à fabricação em massa de equipamentos para a leitura das micro-informações, surgindo, assim, as leitoras portáteis de microfilmes e de microfichas.

A tecnologia utilizada na década de 1970 parece não ter se esgotado, uma vez que as microfichas e microfilmes vêm sendo adotados até hoje. Apesar dos computadores portáteis, laptops e celulares, as microformas continuam sendo produzidas para catálogos de peças, registros cartoriais e hospitalares, listas telefônicas, registros de alunos nas universidades e catálogos de bibliotecas, entre várias outras peças. Sabe-se que a durabilidade dos microfilmes e microfichas é extremamente maior que qualquer mídia atual e que, deste modo, tais materiais ainda se oferecem como a solução mais econômica e eficaz para a preservação da memória nas instituições públicas e particulares. Para efeitos de fidelidade ao documento original, a microfilmagem é a única mídia amparada oficialmente, regida pelo Decreto nº1,799, de 1966, e pela Lei nº 5.433, de 1968. Além disso, os microfilmes têm a vantagem de ser facilmente convertidos em imagens digitais.

Fontes:

Microfilme – uma breve história - https://www.srlf.ucla.edu/exhibit/text/BriefHistory.htm

Microfilmagem é uma metodologia utilizada para a preservação da informação e dos arquivos - https://grupogerenciar.com.br

 

Maria Berenice Rosa Vieira Sobral

Seção de Memória Eleitoral

Setembro/2024